Ao contrário do que possa parecer, o  processo de produção de uma tira em quadrinhos é milhares de vezes mais  longo do que o ato de lê-la. Tão fatigante para o desenhista quanto  desafiador para o roteirista. Na  verdade, contar uma história, estruturada num espaço tão limitado, é um  desafio de estremecer as perninhas de qualquer escritor. E esse desafio  se torna ainda maior quando nos dispomos a criá-las semanalmente, e,  pior ainda, quando tentamos manter, ou até mesmo expandir, a qualidade  do material.Deve ser considerada, também, a  escassez de tempo que - qualquer artista que não vive de sua arte -  dispõe, para se dedicar a algo tão delicado, minucioso e demorado quanto  produzir Quadrinhos.
No caso das tiras do “Cruzaltino”, por ser produzidas em parceria de um escritor com uma desenhista, seria mais interessante descrever nosso processo de criação em etapas, divididas em duas matérias. A primeira parte, só poderia, desse modo, começar pelo texto ou roteiro.
No caso das tiras do “Cruzaltino”, por ser produzidas em parceria de um escritor com uma desenhista, seria mais interessante descrever nosso processo de criação em etapas, divididas em duas matérias. A primeira parte, só poderia, desse modo, começar pelo texto ou roteiro.
1ª etapa – A idéia 
Como  qualquer projeto, tudo começa com uma idéia. Principia pela exploração  de um mundo inquantificável que dá vida extrafísica a qualquer  manifestação artística e intelectual, antes dessa idéia ser posta em  prática e passar a ser construída no plano físico. Ah...  A mente humana... Ela nada mais é do que um labirinto repleto de portas  e gavetas, numa ausência de gravidade oscilante e vertiginosa, onde  mosaicos de idéias flutuam obedecendo a extrema simplicidade e  complexidade da ordem do caos, apenas esperando que alguém se concentre o  suficiente para percebê-las, esticar a mão e agarrá-las; possuí-las. As  idéias estão por aí, à deriva, flutuando ao alcance de todos, mas  somente os loucos pacientes como: inventores, pintores, músicos,  filósofos, escritores, entre outros, se aventuram a desbravar esse  território pouco explorado de nosso subconsciente. Esse  computador diante de seus olhos, a energia elétrica que o sustenta, a  cadeira que o acomoda e tudo mais ao seu redor, um dia, não foram nada  além de idéias. A existência material é apenas o reflexo de projeção de  uma idéia.   
 
2ª Etapa – A idéia e a construção textual 
Pois  bem. Sugiro agora que deixemos de lado meus devaneios metafísicos, para  centrarmos no que realmente nos concerne. Após agarrar a idéia que  estava “marcando bobeira” no mundo da imaginação, ela precisa ser  moldada, transformada, lapidada e submetida ao jugo de algum tipo de  ordem lógica e estrutural.Para exemplificarmos, tomaremos o capítulo nº 12 “A Sinceridade é perigosa”.
 Agora, leia e compare, o resultado final com o texto original:“Capítulo 12 – A sinceridade é perigosa
 Henrique Madeira
       Cruzaltino está sentado em um pequeno banquinho tosco de  madeira. Elementar, como está de  bobeira, “meditando com o olhar  perdido entre as coxilhas”, saboreia um mate amargo na serena calmaria.  Ao fundo, o céu está claro, azul, límpido. Há cadeias de árvores  selvagens, verdejantes, todas aglomeradas em um cobertor de vegetação  uniforme. Mais à frente, está a porteira de madeira, daquelas  tradicionais de quadrinhos, ao estilo “Maurício de Souza”. Ao seu lado  direito, poderíamos exibir um galpão de madeira (uma vista parcial)  somente à guiza de preencher o cenário. Ao canto esquerdo, poderíamos  erigir uma árvore, estaqueada em seu terreno, onde em seu galho mais  visível, como é de praxe, colocaríamos nossa zombeteira “Corujita”.
      Quebrando a serenidade de seus pensamentos longínquos, surge sua  amada Mercedita, também em primeiro plano. Como acontece com qualquer  mulher, Mercedita está naqueles dias em que se sente insegura de seus  próprios atrativos, e resolve se aproximar de Cruzaltino para  restabelecer sua segurança, ouvindo algumas palavras acalentadoras.“Amore, acha que eu to gorda?” - Mercedita indaga, com os olhos voltados para ela mesma.
 Cruzaltino permanece indiferente, tomando seu mate.
        Em um segundo momento, Cruzaltino ergue o semblante,  agradavelmente, para redargüir: “Pra mim tá bão, minha prenda. Mas um  poco de regime não vai lhe fazê mal!” Segundos antes dessas palavras  serem ditas, Mercedita deve, a julgar pelas circunstâncias lógicas,  responder com um sorriso e o olhar voltado ao seu amado.
       Em um terceiro momento, ela recebe as palavras de Cruzaltino  com uma reação tipicamente feminina: “Como é que é?” Mercedita  esbraveja, crispando os punhos, com rubores de raiva.
 Apesar de sempre versar com sua peculiar ingenuidade e naturalidade,  Cruzaltino pressente, nesse momento, que deveria ter medido melhor as  palavras.
       Ilustrando o resultado desse “acidente de comunicação”,  veremos, no quadro final, Cruzaltino estirado em uma cama de hospital. O  corpo engessado, a cabeça enfaixada e as diversas escoriações pelo  corpo comprovam a “resposta amistosa” de Mercedita. Ele finaliza: “E  essa é a última coisa que consigo lembrá...”
       Será necessário, também, colocar os coadjuvantes Macaiver e  Damião, mais ao fundo, que estariam prestando visita. O alazão se  apresenta de aspecto chocado, compadecido pela situação, bem como seu  fiel pajem, o Pretinho; no intuito de reforçar os ares de dramaticidade e  dar maior efeito à cena.
3ª Etapa: Roteirização
Após a construção do texto, a etapa seguinte visa a tarefa de adaptar o texto para a estrutura dos quadrinhos. Essa fase propende, também, (ou acima de tudo), facilitar o trabalho da desenhista.
Veja como a roteirização dessa tira ficou:
Quadro 1 – Mercedita se aproxima de Cruzaltino, que estava mateando solito, e diz: “Amore, acha que eu tô gorda?” 
Quadro 2 – Cruzaltino responde: Pra mim tá bão, minha prenda. Mas um poco de regime não ia lhe fazê mal. 
Quadro 3 – Mercedita retruca, furiosa: “Como é que é?” 
Quadro  4- Cruzaltino aparece, repentinamente, todo estropiado, num leito de  hospital, finalizando: “E essa é a última coisa que consigo lembrá...” 
Macaiver e Pretinho estão ao fundo.
 
Repare que, na roteirização, omiti todos os detalhes descritivos da história, pois eles serão incluídos somente na próxima etapa.
Macaiver e Pretinho estão ao fundo.
Repare que, na roteirização, omiti todos os detalhes descritivos da história, pois eles serão incluídos somente na próxima etapa.
4ª Etapa - A criação e discussão do Layout
Antes  de qualquer coisa, é necessário dizer que o layout nada mais é do que o  “rascunho” do projeto. Todos os detalhes descritivos que omiti na  “Roteirização” serão incluídos e discutidos aqui; por isso acho  importante a criação do texto e da roteirização em momentos diferentes.
A criação do layout é o momento crucial de meu trabalho como roteirista, pois é a ocasião em que apresento a história à desenhista Greice Pozzatto.
O texto original ela não chega a tomar conhecimento, pois seria consultado somente em último caso, se eu me esquecer de apresentar, verbalmente, algum detalhe importante. Via de regra, ou até o momento presente, posso contar com minha “memória de elefante”, descartando a presença do texto.
Após apresentada a história, chega o momento de ouvir o ponto de vista da desenhista, que poderá dar sugestões para melhorar o texto, ou modificar algumas coisas para melhor adequar ao seu desenho.
A criação do layout é, geralmente, feita após a jornalista e desenhista chegar a sua casa exausta do labuto, ao fim do dia, e após o professor e escritor planejar suas aulas para o dia seguinte. Esse processo não se estende mais do que uma hora, decorrida por debates, análises, planejamentos e estudo das cenas.
O resultado do layout, no caso, a tira 12 (sempre desenhado pelo roteirista para poupar as belas mãos da desenhista), embora grotesco, fica assim:
   Aprovado o layout, está quase encerrado o trabalho do roteirista, que passa a bola para as mãos da desenhista.A criação do layout é o momento crucial de meu trabalho como roteirista, pois é a ocasião em que apresento a história à desenhista Greice Pozzatto.
O texto original ela não chega a tomar conhecimento, pois seria consultado somente em último caso, se eu me esquecer de apresentar, verbalmente, algum detalhe importante. Via de regra, ou até o momento presente, posso contar com minha “memória de elefante”, descartando a presença do texto.
Após apresentada a história, chega o momento de ouvir o ponto de vista da desenhista, que poderá dar sugestões para melhorar o texto, ou modificar algumas coisas para melhor adequar ao seu desenho.
A criação do layout é, geralmente, feita após a jornalista e desenhista chegar a sua casa exausta do labuto, ao fim do dia, e após o professor e escritor planejar suas aulas para o dia seguinte. Esse processo não se estende mais do que uma hora, decorrida por debates, análises, planejamentos e estudo das cenas.
O resultado do layout, no caso, a tira 12 (sempre desenhado pelo roteirista para poupar as belas mãos da desenhista), embora grotesco, fica assim:
COMO SÃO FEITOS OS DESENHOS
1ª Etapa – Papel e lápis
Apesar  do  nome no diminutivo, as tirinhas originais desmentem sua  denominação.  Para se ater a pequenos detalhes, a desenhista Greice  Pozzatto prefere  esboçar cada quadro de uma tira separadamente,  ocupando o espaço total  de uma folha de ofício tamanho A4. (Confira  abaixo). Os desenhos são  todos feitos com lápis comum, e tomam cerca de  uma noite inteira de  lazer da desenhista. Além dos desenhos, ela  precisa considerar, também,  que deve deixar um espaço (já estudado  anteriormente), para inserir,  mais tarde, os balões de diálogos.
Somente  depois  de aprovado cada desenho, é utilizada uma caneta especial,   recarregável, ponta (0.8), para cobrir os traços com uma camada de   nanquim na cor preta. 
  Greice Pozzatto -  Desenhista          
2ª Etapa – Escaneamento e limpeza dos traços
Após  ter  todos os quadros da tirinha em mãos, a desenhista escaneia os  desenhos e  os transforma em imagens JPG, para iniciar o tratamento  digital. Essas  imagens recebem, em primeiro momento, um tratamento de  brilho e  contraste para reforçar seus traços. Quando o desenho  apresenta alguma  mancha, marca de borracha, ou defeito do scanner,  essas imperfeições são  removidas através de dois programas bem simples:  Gimp e  Photoshop.
3ª Etapa – Colorização
 A  colorização  manual seria um processo  doloroso e torturante para as  criaturas  atarefadas e estressadas do  século XXI. Felizmente, há  diversos  programas no mercado que oferecem  recursos extremamente  valiosos para  colorir com “relativa” rapidez e  praticidade. Digo  “relativa” pois,  mesmo assim, é necessário se ater a  detalhes que  passam despercebidos  pela máquina, sendo necessário, uma  segunda mão  mais detalhada, que  exige muita paciência e dedicação. Esse  processo  rouba mais uma ou duas  noites de lazer da desenhista. Já se  foram 3  dias. 
4ª Etapa – Os balões de textos e a diagramação
Após  ter  desenhado e colorido todos os quadros da tira, são inseridos os  balões  de diálogos. É nesse momento que o “mala” do roteirista mete o  bedelho  para garantir que cada palavra caiba corretamente em seu  respectivo  balão. Simultaneamente, os desenhos são reunidos e montados  em um molde, um padrão de diagramação estudado e pré-estabelecido por  nós.
É  somente nesta etapa que a tira recebe os ajustes finais. Não antes de  ser, mais uma vez, revisada, e, logo após, transformada em foto (JPG). 
E após todo esse processo enfadonho, eis o resultado final: 
 









 
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