Extraído do Jornal Estilo do dia 23 de julho de 2011
Coluna de Henrique Madeira
Na semana passada, principiamos a narrativa sintetizando os primeiros anos da vida conturbada do mestre Josino dos Santos Lima, até seus primeiros anos escolares. Falávamos, também, de sua viagem a Portugal – um de seus poucos momentos felizes –, mas que lhe rendeu a infelicidade de saber que não seria possível cursar a Universidade de Coimbra, devido a problemas financeiros. A solução foi retornar a Cruz Alta e cursar o “Matadouro escola”, como ele mesmo dizia, donde aprendeu a ler mal, a escrever mal e a contar mal.
O restante de seu conhecimento foi obtido com seu próprio esforço, de forma autodidata. Para tanto, Josino Lima tinha o hábito de ler e estudar deitado, todas as noite. E até esse costume inocente acabou lhe acarretando traumas físicos. Como vimos na coluna passada, de seu primeiro dia de vida ao fim da infância, sua existência havia sido uma sucessão de tragédias e acidentes físicos. Na adolescência, a fortuna não foi diferente. Dando prosseguimento à série de acidentes quase mortais, certa vez, o intelectual lia por distrair-se em uma rede de balanço quando, repentinamente, rebentou o punho que a suspendia. O tombo provocou-lhe tamanho trauma a ponto de ficar por um bom tempo sem poder falar e se mover.
Quanto contava 14 anos, no ápice da friagem de julho, foi acolhido por um mal estar súbito que lhe provocou sensação de desmaio, ânsia de vômito e zumbido nos ouvidos. Tal acontecimento provocou-lhe um incontrolável trauma da morte, e, dali em diante, foram muitos os papelões que causou em público, devido àquela horrível sensação de “morre e não morre”.
Felizmente, devido seu profundo gosto pela erudição, acabou adquirindo um livro de um médico alemão que acreditava na cura através do auto-sugestionamento, e acabou curando a si mesmo sem o auxílio de especialistas.
Quando contava 18 anos, em uma noite de São João, foi a vez de uma espécie de amigdalite ataca-lo ferozmente, ao ponto de quase cortar-lhe o ar. Em vias de morrer por asfixia, o tumor rebentou vazando em pus sanguíneo. Salvou-se, literalmente, por um triz.
Aos 23 anos, Josino Lima foi nomeado escrivão de um juiz local. Uma de suas primeiras incumbências fora fazer uma medição em uns campos próximos à cidade de Ijuí. Durante uma dessas noites, o grupo de trabalhadores, cansado de se alimentar de feijão, arroz e charque, resolveu pescar em um açude próximo. Como o destino adorava aprontar com o pobre Josino, logo ao entrar na canoa, perdeu o equilíbrio e caiu na água gélida do inverno. Como não sabia nadar, tinha engordado alguns quilos e, ainda por cima, estava de braços impedidos de se debaterem pelo poncho que vestia, fora trabalho forçoso tira-lo d’àgua. E como tragédia pouca é bobagem, teve ainda que passar a noite nu, ao redor de uma fogueira tosca, enquanto aguardava suas vestes secarem ao fogo.
Eis outro feito que só poderia mesmo ter acontecido com ele: Uma das maiores alegrias do jovem Josino era participar das festas do Divino, que era uma comemoração muito popular e aguardada entre os primitivos habitantes de nossa aldeia. No ano da graça de 1894, Josino Lima ensaiava exaustivamente, em um salão reservado de sua farmácia, pois o maestro iria ser o responsável pela animação do festejo. Eis que, então, o jovem teve uma súbita ruptura
pulmonar, enquanto soprava seu instrumento. Valendo-se de seus conhecimentos medicinais, conseguiu estancar o ferimento por conta própria e escapou da morte novamente. Vê se pode? E olha que, ainda que os anos passassem, Josino continuava a escarrar o sangue podre daquele bizarro ferimento.
Mas a coisa não acaba por aqui, não! Por ventura, tudo que foi narrado até o momento não passa de um “aperitivo” para as verdadeiras tragédias que iriam acolher o futuro “maior intelectual que a Cruz Alta já conheceu”. Por falta de espaço, deixaremos para a próxima coluna a narração de um episódio específico, ocorrido durante a crudelíssima Revolução Federalista de 1894, quando Josino Lima escapou, por pouco, de ser degolado.
Como costuma dizer o “Anonymous Gourmet”: Voltaremos...
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